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terça-feira, 24 de abril de 2018

Até que a luz nos leve

Andando a noite, pela estrada da floresta lúgubre
Eu a vi, perambulando entre as árvores perenes
Meu coração se encheu de alegria e tristeza
Ao ver a beleza daquela alma que jaz nos bosques

Uma dama fantasma tristonha que me encantou
Queria poder toca-la e reconforta-la
De sua própria morte, que a faz penar sem descanso
Mas eu não consigo alcança-la

A luz da Lua ilumina as brumas obscuras, reluzindo-as
Os uivos das criaturas nas charnecas ecoam pela noite
É tão escuro e tão frio, tão morto e tão cortante
Mas eu encontro conforto em seu abraço crepuscular

Não deveria estar falando com fantasmas novamente
Pois eles me dão vontade de morrer
Para eu poder vê-los para sempre
Mas eles sempre se vão com a luz do dia

Mas desta vez eu não quero que você suma de novo
Com o fim desta noite obscura e profunda
Eu irei então me entregar para morte de bom grado
Me jogar nos seus braços e esperar...

...até que a luz nos leve.


domingo, 25 de março de 2018

A donzela e os corvos

Dia após dia, a melancólica, tristonha e solitária, a donzela se aproximava da janela para observar os corvos que se empoleiravam no velho carvalho desfolhado pelo outono. Os céus cinzentos e a névoa criavam uma atmosfera soturna para aquele dia morto. A garota, pálida como um finado possuía cabelos de um negrume só comparável ao seu vestido rendado ou às penas dos corvos, ou seja, da cor da mais profunda e obscura noite de inverno sem lua. A garota então cantou para os corvos, até que um deles veio até o beiral da janela. Ela olhou melancólica para ele e se aliviou da terrível solidão que sentia. A sua companhia e suas plumas à faziam sentir menos a dor e a angústia que ela sentia durante todos os dias de sua vida. Ela implorou para o corvo que ele ficasse, mas ele alçou voo e se foi. A garota se entristeceu e derramou muitas lágrimas sobre o seu colo. Ela queria muito que o corvo ficasse, mas não queria prende-lo em uma gaiola, pois a beleza dos corvos era exatamente poderem voarem livres. Os corvos deveriam vir e ficar de livre e espontânea vontade, mas a donzela não sabia como fazer eles ficarem. Ela então cantou e fez outro corvo pousar no beiral da janela. Ela ficou olhando nos olhos do corvo, com seu olhar tristonho e infeliz. Mesmo após o corvo ficar um tempo perto dela, aliviando sua dor, ele se lançou aos céus e se foi para nunca mais voltar. A garota então sentiu uma forte dor em seu coração e derramou muitas lágrimas de desespero. Em meio aos soluços ela se lamentou novamente não conseguir fazer os corvos ficarem com ela de livre e espontânea vontade. Ela então teve uma mórbida ideia que mancharia com alguma cor aquele dia cinzento e monocromático.


Ela foi até sua penteadeira, abriu uma gaveta, pegou uma navalha e foi até a janela novamente. Ela então, com a suavidade de uma violinista de virtuose, passou o fio da navalha contra o seus punhos, os fazendo verter sangue de um vermelho vivo que jorrou sobre o beiral da janela, dando à ele a cor das rosas mais belas. Todos os corvos então se aproximaram e beberam do seu sangue e ela os conseguiu manter lá enquanto o seu sangue jorrava pelos cortes que ela fazia em si mesma. Após seus braços brancos como a neve se tingirem com o escarlate de sua carne viva e seu sangue quase todo ter vertido de suas feridas, ela e viu fraca demais para continuar e os corvos que à aliviavam com a sua presença se foram novamente, deixando-a sozinha e fraca com seus pulsos deflorados e ensanguentados. Ela então se viu solitária e imersa na dor absoluta e sufocante que sempre envolvera seu coração. Ela se lamentou novamente e pranteou lágrimas de ódio a si mesma até o cair do crepúsculo, quando seus olhos secaram e ela se viu ainda mais fraca e oprimida pelos seus próprios pensamentos e sentimentos. Ela então, em meio aquela agonia mórbida, que a sufocava como as cinzas calcinantes dos campos desolados do inferno, se perguntou porquê os corvos, sempre tão livres, sempre voavam e iam embora. Ela pensou em meio aquele desespero em prende-los em uma gaiola, mas rejeitou a ideia, pois era ela também uma amante da liberdade. Neste momento um pensamento reluziu como um lampejo diante de seus tristes olhos. Ela então soube o que era aquele vazio finalmente e qual era a razão de sua dor. Então, quando os primeiros raios prateados da lua cheia se irromperam pelas nuvens, a donzela se desfez em meio a uma nuvem de sombras e se transformou ela também em um corvo e voou finalmente livre pelos céus da noite, com suas plumas negras como o seu coração.

















quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

Um Delírio em Vermelho







Enquanto eu pinto meus pulsos em carmesim
E alivio a dor sem fim
Manchando os lençóis alvos com resplendores vermelhos
Enquanto minhas lágrimas escorrem incontáveis de meus olhos

Imersa em uma tormenta negra e sufocante
Onde as trevas se adensam mais espessas do que chumbo
Enquanto demônios atormentados me açoitam interminavelmente
E a dor lacerante me sufoca tirando a minha vontade de viver

Durante toda essa loucura implacável
Eu posiciono o arco afiado de um stradivarius
Contra suas cordas feitas a partir de veias e artérias
Fazendo o sangue verter em uma sinfonia agonizante

Meus demônios incontroláveis me possuem
Me dilacerando por dentro em um turbilhão de sentimentos confusos
Não, não quero que isso aconteça de novo
Que o meu destino amaldiçoado se repita para sempre

Todas as vezes que eu estou sozinha me encontro torturada
E apenas quando a minha alma solitária encontra outra
Posso sentir alívio dos meus eternos tormentos sombrios
Mas sou apenas uma donzela condenada por minha sina

Enquanto eu pinto meus pulsos em carmesim
E alivio a dor sem fim
Manchando os lençóis alvos com resplendores vermelhos
Enquanto minhas lágrimas escorrem incontáveis de meus olhos

Enquanto eu me encontro sufocada pelas cinzas sufocantes
Um grande incêndio queima a minha carne
Não posso controla-lo, muito menos apagá-lo
Apenas me deixo consumir pelo inevitável

Por favor, me salve
Seja um alívio para a minha alma violentada
Já que em meio aos tormentos de uma alma torturada
Eu apenas não quero ser abandonada

Mas enquanto eu estava mutilada e largada
Como um feto abortado em uma poça de sangue
Você me traiu e me abandonou
Como todas antes de você sempre fizeram

Não posso controlar meus demônios
E você não entende a minha dor
Ninguém entende, por isso eu estou banhada em sangue
Violentada por mim mesma em uma banheira

Enquanto eu pinto meus pulsos em carmesim
E alivio a dor sem fim
Manchando os lençóis alvos com resplendores vermelhos
Enquanto minhas lágrimas escorrem incontáveis de meus olhos

Todas as vezes que o destino maldito se realiza
Como a mais terrível e abominável das maldições
Eu caio em um abismo negro sem fim
Enquanto tento me agarrar desesperadamente à alguém

Mas ninguém está lá, por isso continuo caindo
E esperando que hajam lanças que me perfurem e me matem
Interrompendo essa existência insuportável
De uma alma atormentada por demônios que ela mesma criou

A culpa é minha, apenas minha
De destruir tudo de belo que eu criei e minha vida
Como a sina se repete, destruo de novo e de novo
Já que todos os amores para mim não passam de um vício mórbido

Quero voltar para seus braços, por favor
Mas se não puder, me mate e me ame como um cadáver
Drenando o todo o meu sangue virgem e frígido
E se banhe nele como a condessa sangrenta fazia

Enquanto eu pinto meus pulsos em carmesim
E alivio a dor sem fim
Manchando os lençóis alvos com resplendores vermelhos
Enquanto minhas lágrimas escorrem incontáveis de meus olhos

Não possuo nenhum controle de mim mesma
Por isso assombrei você como uma alma torturada
Atormentada e dolorida em uma eternidade de sofrimento e martírio
Já que a minha sina sempre se cumpre como uma mórbida praga

Através das minhas incontáveis lágrimas
Das noites frias e sombrias cheias de loucura e pesadelos
Em minha hipocondria morta, totalmente descontrolada
Eu preciso apenas de alguém para me aninhar

Mas sempre me abandonam e me deixam para morrer
Seria eu uma assombração monstruosa?
Ou seria um espectro de rancor e desespero?
Oh maldita existência que me condenou

Quero me redimir dos meus pecados
Mas agora é tarde demais para a minha redenção final
Já que, afinal, eu sempre machuco quem eu mais amo
Me mutilando enquanto cumpro a sentença que me foi outorgada

Enquanto eu pinto meus pulsos em carmesim
E alivio a dor sem fim
Manchando os lençóis alvos com resplendores vermelhos
Enquanto minhas lágrimas escorrem incontáveis de meus olhos

Não existe mais volta para tudo
E eu não consigo mais viver com tantos arrependimentos
Quero perfurar meu peito com uma espada afiada
E destruir meu coração totalmente enegrecido pelas trevas

Sou compelida a tudo pela sombra de mim mesma
Uma criança violentada pela própria mãe
Que se sente sufocada por esta vida maldita
Enquanto vaga pelos bosques noturnos amaldiçoados

Sinto medo, raiva e ódio das minhas próprias ações
Quero arrancar as artérias dos meus braços
E me enforcar com elas em uma bela obra de arte
Uma dama crucificada em meio a uma chuva de sangue

Mutilada enquanto pinto de vermelho a fria neve sob os meus pés
Como uma batalha invernal que ceifa milhares de almas
Meus sentimentos me sufocam e sugam o que resta da minha vida
Me fazendo fria como a morte em meio a uma tela branca pintada em escarlate

Enquanto eu pinto meus pulsos em carmesim
E alivio a dor sem fim
Manchando os lençóis alvos com resplendores vermelhos
Enquanto minhas lágrimas escorrem incontáveis de meus olhos

Acordo todos os dias sozinha...
Sozinha...
Sozinha.
Com meus algozes
Com os meus carrascos
Que fazem o mais profundo oceano se tornar árido como um deserto
Que fazem a luz mais intensa do firmamento se tornar escura como túmulos estelares
Que fazem todo o fogo de meu coração me queimar com o calor de mil infernos
E o frio do mais gélido vazio me fazer verter sangue sobre a neve branca

Enquanto eu defloro os meus pulsos em escarlate
E esparramo toda a rubra tinta em meus seios
Derramando minha sanguinolência na neve frígida
Pintando a tela branca com as minhas lágrimas de sangue

Acordo todos os dias sozinha...
Sozinha...
Sozinha...
Por favor...
Não me abandone...
Nao me...
Abandone!
Não me abandone de novo...
Por favor...
Não...
Não...
Eu não aguento mais
Não...
Por favor...
NAAAAAAAAÃO...
NÃO ME DEIXE AQUI..
NÃO ME DEIXE SOZINHA COM ELES...
SE NÃO EU JURO QUE ME MATO...
POR FAVOR, ME AJUDE...
POR FAVOR...
Por favor...
Não me deixe...
Sozinha...
Sozinha...
Sozinha...
...

Tick Tock!
Tick Tock!
Suba a bordo e vamos brincar
Você é a minha amiguinha que eu vou cuidar
Somos só você e eu
Para sempre
Tick Tock!
Tick Tock!
Existem muitos doces vermelhos e brancos
Para nós nos lambuzarmos
Vamos brincar a vida inteiraa
E escapar do inferno lá fora
Tick Tock!
Tick Tock!
Deite comigo e me abrace
Me tire dos meus pesadelos
E me dê um pouco de seu calor
Enquanto eu durmo para sempre...





sábado, 24 de fevereiro de 2018

Perinidade

Nasci entre os imortais
Com o passar das eras vi tudo que era belo nascer e crescer
Na aurora dos tempos
Na longínqua Primavera do mundo sob os ciprestes
Onde a luz dourada nos iluminava
Onde havia um sentimento que não existe mais

Nos dias da bem-aventurança
Onde os imortais gozavam de uma felicidade que parecia eterna
Onde a o mundo aindaa era jovem, sem mácula
Dentro de cada alma, havia algo que brilhava
Algo que fazia aqueles tempos passados
Serem tempos dourados

Nos bosques bucólicos
Nós festejamos com canções sobre a beleza da existência
Daquele mundo que ainda era virgem e inocente
As flores de sonhos dourados refletiam a plenitude
Do alvorecer longínquo que não pode mais voltar
Até que elas caíram e deram lugar a verdes folhas

Eras se passaram até o Verão
Os dias se tornaram mais rápidos
Os grandes artífices criaram maravilhas esplêndidas
Que já se perderam sob as areias do tempo
Os grandes povos construiram suas cidades
Prateadas com suas cúpulas de ouro

Mas eu vi também a chegada dos mortais
E com eles a guerra e a doença
Apesar disso, ensinamos para eles todas as nossas artes
Nos tornamos inspirações de suas lendas
E mesmo naquela época, os mortais gozavam de longa vida
E felizes eram os seus dias

Eu vi as guerras dos cálices e dos anéis
Vi os primeiros de meu povo imortal tombar
Sob o poder sombrio que começava a crescer
Mas nós e os mortais o vencemos, pois o mundo era jovem
E grandes heróis surgiram, e regozijaram-se com a vitória
Naqueles tempos passados

Eu era a princesa naquele mundo fantástico
Minha magia corria forte nas minhas veias
Por onde também corria o meu sangue imortal
Foi então que eu conheci o dissabor da maldição
Ao descer dos meus salões arcanos
Para me ter com os mortais

Os mortais me encheram de encanto
Com sua juventude e fragilidade
Mas logo eles se tornaram cansados e curvados pelo tempo
Em apensas um breve suspiro toda a vida deles
Se esvaiu para o reino da morte
Onde todos eles dormem seu sonho eterno

Uma enorme tristeza inundou meu coração
Enquanto os últimos dias do Verão passavam depressa
Novas batalhas foram vencidas, porém com muitas perdas
Muitos de meus antigos companheiros imortais tombaram em batalha
E alguns se corromperam nas trevas do inimigo
Tentados por sórdidas promessas de poder

Logo o Outono chegou, fazendo o verde das folhas se tornar dourado
Me fazendo relembrar os tempos da aurora do mundo
Mas o mundo havia mudado e eu também
Não era mais uma princesa, era uma rainha sábia
E eu encontrei nova beleza entre os mortais que eu inspirava
Entre as cores do amarelo outonal

Usei a minha magia para prezervar tudo que havia de belo
Que restara das primeiras eras do mundo
Criei um refúgio para os últimos de minha raça
E criei um sonho de nova vida aos mortais
Mas lá no fundo uma tristeza não saia do meu coração
Pois eu sabia que tudo estava mudando

Os dias de outono passavam rapidamente
As folhas farfalhavam e caiam com o vento
A encontrei perdida nos bosques labirínticos
Donzela mortal que eu acolhi e criei como uma filha
Ela aprendeu muito do que eu sabia
E ela encheu de alegria meu coração envelhecido

Porém, como toda mortal
Ela precisava ir para as mansões dos mortos
E as minhas lágrimas incontáveis se derramaram sobre a terra
Em forma de uma chuva sem fim que assolou os vales
Com ela veio mais guerra, peste e tristeza
Enquanto as ultimas folhas do Outono caiam

O próprio mundo dos mortais se enchia de sombras
Enquanto hostes cadavéricas destruíam tudo que era belo
Enquanto estava imersa em meus prantos
Não consegui preservar minha morada e todas as coisas antigas que eu guardava
Que se perderam para sempre e não podem mais ser recuperadas

Foi então que as ultimas folhas do outono caíram
E tudo se escureceu, enchendo o coração dos mortais de medo
Quase todos os imortais se foram e eu fiquei sozinha nos bosques escuros
Enquanto a noite caia e as sombras adensavam nos corações das florestas
Em antigos recantos eu vagava como uma antiga feiticeira da escuridão
Eu me tornara a senhora das lágrimas, um espectro de desespero

Foi quando o ocaso se deu, alongando as sombras profundas
Que os primeiros flocos de neve começaram a cair
Trazendo um frio cortante que tingiu os campos de branco
Todas as cores desapareceram do mundo, restando apenas as trevas
E a imensidão pálida que cobria o mundo gélido
Tudo tão frio, tão escuro

Então veio a Noite e suas criaturas mais mortas do que vivas
Tudo que me restava era o lamento e a melancolia
De tudo o que passou e não pode mais voltar
Minha alma esta enegrecida pelo tempo e pela dor
Meu espírito já esta morto em vida, enquanto meu corpo perambula pelas trevas
Entre os galhos retorcidos eu espreito como um espectro de desespero

No meio da floresta do mundo
Após incontáveis eras de lamentos dolorosos
Quando a esperança já se encontra totalmente morta
Meus olhos vertem um sangue negro, pois minhas pálpebras foram tomadas por chagas
Pelas feridas causadas pelo pranto interminável em que eu estou imersa a tempos incontáveis
Enquanto os desprezíveis mortais desta era, combalidos pela sombra, se corrompem

Dentro da escuridão, eu procuro os túmulos
Procurando em vão a entrada para as moradas dos mortos
Para encontrar todos aqueles que se foram
Para encontrar o tempo que não mais volta, me trazendo memórias melancólicas
No fim a maior maldição não era a mortandade dos mortais e sim a perenidade
Pois foi a Perenidade que me fez me tornar a Donzela das Lágrimas


quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

Alguém está ai?

Alguém está ai?
Eu não vejo ninguém em meio a escuridão e a dor
Me pergunto se existe alguma alma em meio aos vultos soturnos
Já que neste inverno frígido da minha mente não há nenhum calor
Minha existência absurda é cercada por delírios noturnos

Me pergunto se existem fantasmas nas conchas?
Ou se todos seriam autômatos cartesianos sem alma?
Será que eu estou sozinha?
Será que todos são fruto da minha loucura?

Abandonada, triste e amargurada
Eu vago pela escuridão, fazendo dela minha aliada
Já a escuridão é minha amiga, enquanto a dor é a minha amante
Pois eu não tenho mais esperanças de que alguém me entenda
E sinta a mesma dor que esta alma vagante

Destruída, eu me encontro
Não tenho mais como achar a mim mesma em todo este mar de sombras
Procurei todos estes anos por alguém que entendesse a minha dor
Que me aceitasse quebrada do jeito que sou, com todas as minha mágoas
Mas ninguém quer amar uma figura triste que derrama lágrimas em torpor

Corto os meus punhos
Esperando que alguém me entenda, mas todos vão embora
Queria ser livre de todo este sofrimento que me sufoca
Mas não posso fazer isso se eu continuar aprisionada por mais uma hora
Habitando esta  casca que me aprisiona e me devora

Serei para sempre abandonada
E continuarei sozinha procurando que alguém me aceite como eu sou
Mas eu sei que isso não vai acontecer enquanto os sois se porem
Mas eu continuarei de pé enquanto a escuridão que me alimentou
Gerar as chamas deste desejo de redenção, que continuará até o meu réquiem

Se eu não entendo nem mais quem eu sou
Em meio a imensidão deste deserto negro e calcinado
Onde as lágrimas já secaram em volta de toda o vazio onde eu estou
E já que realmente não há mais ninguém aí
Quero agora me deitar e adormecer para sempre
Pois nada mais faz a diferença
Quando a minha única chama se apagar
E o oceano de escuridão que me cerca se tornar uma imensidão cinza
Calcinante, amarga e sem sentido para a minha alma. Então...
...por favor...
...existe alguém aí, que entende a minha dor?




sábado, 6 de janeiro de 2018

O vagante e a prostituta

As ruas escuras se encontram frias e humidas e uma fina chuva cai sobre o asfalto elameado e envelhecido. Um homem vaga sozinho pelas ruas, escurecido pelas sombras e iluminado apenas pelo brilho colorido dos neons e telões de publicidade. A decadência da cidade, obscura, distópica e opressiva sufoca os transeuntes, que vagam sem rumo pelas suas ruas. Pessoas sozinhas e sem sentido que vagam pela noite, após viverem durante o dia uma vida não vivida. O homem entra em um bar, compra um maço de cigarros e toma uma dose de wisky. Depois ele sai e vai em direção ao distrito noturno da cidade.
Em frente aos predios decadentes,  nas esquinas, ao lado de postes e na entrada dos bordéis, varias prostitutas se oferecem aos homens que vagam pela noite procurando prazer. Pobres, marginalizadas e exploradas elas esperam os seus clientes. Uma delas, vestida em uma pele de lobo que cobria suas curtas vestes negras, de cabelos também negros e com maquiagem obscura olha para o homem enquanto bate com a ponta dos dedos na extremidade de sua piteira, jogando as cinzas no chão. Em seu pescoço está dependurado um crucifixo prateado, unica herança de sua pobre mãe, morta pela fome a muitos anos.
O homem era seu cliente mais assíduo, frequentava o seu leito toda a semana, e com a renda proveniente apenas dele ela conseguia pagar metade do aluguel. Ele atravessou a rua e foi até ela. Depois de se cumprimentarem com um abraço, ambos caminharam pela rua de braços dados e se dirigiram até um velho predio, entraram e subiram as escadas.
Para ela, ele era o cliente com a fantasia mais exótica e absurda, mas em sua opinião, a mais interessante. Ambos chegaram ao andar superior, abriram a porta do velho apartamento. Ela retirou o casaco de peles, ficando apenas com sua lingerrie negra. Ela convidou ele para se sentar e serviu algo para beber. Ele retirou o dinheiro da carteira e o deixou em cima da mesa. Ela se sentou e eles conversaram. Depois de um tempo, ela o se levantou, o pegou pela mão,  o beijou e o levou para o quarto, retirando o casaco dele. Era chegada a hora de realizar a fantasia mais secreta de seu cliente,  aquele homem, a princípio duro e rude como todos os outros.
Então ela se sentou na beirada da cama e o puxou para perto dela. Ele então deitou em seu colo, junto a seu peito ornado pelo crucifixo. Ela então começou a contar uma história sobre terras de outro mundo, onde ela era a princesa e ele seu cavaleiro, onde não existiam tiranos ou miséria, onde eles poderiam escapar. Assim que ele ficou sonolento, ela cantou uma musica e o afagou, até que ele dormisse em seu colo. Ela então apagou a luz do abajour e se deitou sobre ele, adormecendo logo em seguida. Logo depois eles sonharam que caminhavam em terras distantes e fantásticas, onde todos os seus problemas desapareciam.

Em memória de J.R, meu cliente querido, que de cima de uma ponte se jogou.



sábado, 15 de outubro de 2016

Pelas Ruas Obscuras Meus Olhos Vazios Vagam

Quando a dor lacera a minha carne, sinto a minha alma corroída pelo mais insuportável sofrimento. Uma estaca negra como a noite perfura o meu coração, que se enegrece em profunda necrose, enquanto em meu ventre, a mais instigante luxúria me compele não ao pecado, mas ao meu próprio sofrimento, que consome meu espírito e me devora todas as manhãs, quando acordo de meu doce sono, único lugar onde eu posso estar morta e descansando em paz. A dor me faz querer chorar, mas nenhuma lágrima escorre destes meus olhos, já que muitas lágrimas de sangue eu já chorei por aqueles que amei e que me deixaram desfalecida neste túmulo negro que se tornou minha vida. Minha alma violada, como uma roseira deflorada, vaga pela cidade negra, como um fantasma na névoa, tentando chorar uma chuva que não cai. Ando pelas ruas obscuras, enquanto a dor consome o resto de minha alma, dando lugar a um profundo niilismo, que torna os meus olhos ocos e vazios, enquanto eu enxergo toda a desgraça decadente a minha volta como se fosse uma doce ironia. Então eu comprimento as trevas, que são desde sempre as minhas melhores amigas, que sempre estiveram comigo na alegria e na doença. E antes que eu mutile os meus pulsos fazendo o meu sangue negro escorrer pelos brancos lençóis, eu sorrio macabramente, em meio a tamanha desgraça. Depois de tudo isso eu me deitarei, só eu e as trevas, neste leito terminal que me levará ao eterno sono e a minha libertação deste sofrimento.