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domingo, 25 de março de 2018

A donzela e os corvos

Dia após dia, a melancólica, tristonha e solitária, a donzela se aproximava da janela para observar os corvos que se empoleiravam no velho carvalho desfolhado pelo outono. Os céus cinzentos e a névoa criavam uma atmosfera soturna para aquele dia morto. A garota, pálida como um finado possuía cabelos de um negrume só comparável ao seu vestido rendado ou às penas dos corvos, ou seja, da cor da mais profunda e obscura noite de inverno sem lua. A garota então cantou para os corvos, até que um deles veio até o beiral da janela. Ela olhou melancólica para ele e se aliviou da terrível solidão que sentia. A sua companhia e suas plumas à faziam sentir menos a dor e a angústia que ela sentia durante todos os dias de sua vida. Ela implorou para o corvo que ele ficasse, mas ele alçou voo e se foi. A garota se entristeceu e derramou muitas lágrimas sobre o seu colo. Ela queria muito que o corvo ficasse, mas não queria prende-lo em uma gaiola, pois a beleza dos corvos era exatamente poderem voarem livres. Os corvos deveriam vir e ficar de livre e espontânea vontade, mas a donzela não sabia como fazer eles ficarem. Ela então cantou e fez outro corvo pousar no beiral da janela. Ela ficou olhando nos olhos do corvo, com seu olhar tristonho e infeliz. Mesmo após o corvo ficar um tempo perto dela, aliviando sua dor, ele se lançou aos céus e se foi para nunca mais voltar. A garota então sentiu uma forte dor em seu coração e derramou muitas lágrimas de desespero. Em meio aos soluços ela se lamentou novamente não conseguir fazer os corvos ficarem com ela de livre e espontânea vontade. Ela então teve uma mórbida ideia que mancharia com alguma cor aquele dia cinzento e monocromático.


Ela foi até sua penteadeira, abriu uma gaveta, pegou uma navalha e foi até a janela novamente. Ela então, com a suavidade de uma violinista de virtuose, passou o fio da navalha contra o seus punhos, os fazendo verter sangue de um vermelho vivo que jorrou sobre o beiral da janela, dando à ele a cor das rosas mais belas. Todos os corvos então se aproximaram e beberam do seu sangue e ela os conseguiu manter lá enquanto o seu sangue jorrava pelos cortes que ela fazia em si mesma. Após seus braços brancos como a neve se tingirem com o escarlate de sua carne viva e seu sangue quase todo ter vertido de suas feridas, ela e viu fraca demais para continuar e os corvos que à aliviavam com a sua presença se foram novamente, deixando-a sozinha e fraca com seus pulsos deflorados e ensanguentados. Ela então se viu solitária e imersa na dor absoluta e sufocante que sempre envolvera seu coração. Ela se lamentou novamente e pranteou lágrimas de ódio a si mesma até o cair do crepúsculo, quando seus olhos secaram e ela se viu ainda mais fraca e oprimida pelos seus próprios pensamentos e sentimentos. Ela então, em meio aquela agonia mórbida, que a sufocava como as cinzas calcinantes dos campos desolados do inferno, se perguntou porquê os corvos, sempre tão livres, sempre voavam e iam embora. Ela pensou em meio aquele desespero em prende-los em uma gaiola, mas rejeitou a ideia, pois era ela também uma amante da liberdade. Neste momento um pensamento reluziu como um lampejo diante de seus tristes olhos. Ela então soube o que era aquele vazio finalmente e qual era a razão de sua dor. Então, quando os primeiros raios prateados da lua cheia se irromperam pelas nuvens, a donzela se desfez em meio a uma nuvem de sombras e se transformou ela também em um corvo e voou finalmente livre pelos céus da noite, com suas plumas negras como o seu coração.

















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